domingo, 13 de setembro de 2009

Considerações Sobre O Século XX


Industrialização, capitalismo, comunistas, megacidades, cinema, automóveis, mulheres de cabelos e vestidos cada vez mais curtos, trabalhando, estudando, exigindo igualdade entre os sexos, rádios, discos, revolução, crise financeira, exploração intensiva da mão-de-obra, anarquismo, aviões, guerras mundiais, eletricidade, degradação ambiental, fome, segregação social, arranha-céus. Não há registros ou indícios de que em algum outro momento de sua história, o homem tenha feito tantas descobertas científicas, provocado tantos avanços tecnológicos e quebrado tantos dogmas quanto no século passado. Tudo isso, devido ao grandioso desenvolvimento da educação universitária, ao progresso econômico mundial e ao incentivo dos governos e de certas empresas privadas, desde o século XIX.
A começar pela Teoria da Relatividade de Albert Einstein, a Física Moderna nasceu no século XX. Através de sua teoria, Eistein mostra que "Não existe um tempo absoluto nem um espaço absoluto, pois ambos dependem da velocidade do observador" e explica que "A menor distância entre dois pontos, portanto, não seria um segmento de reta". Com suas afirmações, Einstein vai de encontro a uma série de concepções vistas como legítimas até então, gerando na mente das pessoas uma dúvida e um conflito de ideologias que acabam por caracterizar todo o século.
De modo geral, o século XX é marcado por constantes e profundas mudanças que refletiram no setor econômico, político e social do mundo inteiro, rompendo definitivamente com os padrões do passado. Progresso e velocidade são palavras de ordem do período. Nunca  se presenciou tão grande avalanche de informações, úteis ou dispensáveis, regurgitadas pelos mais diversos veículos de comunicação em massa. Devido à descoberta de novos meios de transporte e comunicação e ao aprimoramento dos já existentes, observa-se de forma intensa a circulação de pessoas, empresas, capital e ideologias que, abandonam a dimensão nacional para alcançarem o globo.
Sabiamente, o já findado século fora certa vez caracterizado como esquizofrênico pelo cineasta Marcelo Mazagão. Todavia, o que melhor caracteriza a loucura do período não é a intensidade do progresso vivido pelas pessoas naquele momento, mas sim a dualidade que tal progresso gerou. O mesmo século marcado pelas campanhas de vacinação em massa e pelo consequente  extermínio de diversas epidemias é o que assinala também o aparecimento dos primeiros casos de aids. Não é sádico pensar que o século em que ocorreram as primeiras operações de catarata é o mesmo em que a cegueira se fez mais presente? Não a cegueira física, mas a cegueira social, aquela que nos impede de enxergar as patologias urbanas modernas, aquela que nos leva, por exemplo, a sentir ojeriza ao invés de compaixão ao vermos um mendigo doente e imundo numa calçada. Bombas atômicas são lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki e, logo após, a ONU é fundada. Hipocrisia humana ou ironia do destino?
Em 1900, no último ano do século XIX, Sigmund Freud lança as bases para os primeiros estudos da mente humana, como se estivesse premeditando todas as mudanças comportamentais que ocorreriam ao longo do século seguinte. Ao mesmo tempo que o progresso científico e tecnológico proporcionou uma boa condição de vida para grande parcela da população, o homem nunca esteve tão frustrado e reprimido. Nunca as academias de ginástica estiveram tão cheias, os divãs tão ocupados e as livrarias tão vazias. Em busca do corpo perfeito, adotado como padrão pela mídia, as pessoas se esquecem de exercitar a mente e abdicam da filosofia do "corpo são em mente sã". No entanto, quem determina o que a mídia adotará como padrão?! Talvez sejam nossos antepassados os responsáveis por isso, pois num momento de outrora, começaram a se submeter ao ideal estético adotado no cinema e na televisão, dando origem ao presente ciclo vicioso. Todavia, é de grande comodidade e conveniência colocar a culpa de nossos problemas sobre aqueles que estão ausentes e excluir de nossos ombros o peso da responsabilidade em agir contra a (des)ordem vigente.
Se considerarmos que a arte surge em resposta à frustração do artista, podemos dizer que a pintura e a literatura do século XX se origina numa busca incessante por caminhos alternativos às questões oriundas com o progresso do período. Movimentos artísticos vanguardistas, em concordância com as teorias e ideais do século, anulam de vez a arte do passado. As vanguardas europeias, por exemplo, formaram um conjunto de tendências artísticas de vários países com propostas diversas, mas que, de modo geral, aboliam a arte do século XIX, impressionista e parnasiana. Tais vanguardas serviram de base aos artístas brasileiros que organizaram a Semana De Arte Moderna De São Paulo, revolucionando as manifestações artísticas do país e dando início ao movimento modernista. Em ressonância das revoluções ocorridas no momento, decorre a emancipação feminina. Mais autônoma e menos submissa, a mulher, passo a passo, alcança o mercado de trabalho, abandonando sua função primordial de administradora do lar.
Para se chegar à concepção da roda, o homem levou milhares de anos. Outros milhares de anos decorreram até que se chegasse a uma forma satisfatória de escrita. Todavia, foram necessários apenas meio século para que o primeiro computador, o qual ocupava três andares de um prédio, chegasse ao tamanho de um notebook. Calcula-se que no século XX o homem tenha vivido um progresso científico e tecnológico maior do que o ocorrido nos dezenove séculos anteriores. Isso sem considerarmos o advento dos telefones celulares, hoje classificados quase como objetos descartáveis. Diante de tais dados, os mais fiéis são acometidos pela sensação de que o homem, nos últimos tempos, esteve brincando de ser Deus. Os mais antigos geralmente são tomados pela ideia de que sua infância decorreu-se em alguma civilização do passado longínquo, entre gregos e romanos, condição inicial para o atual exacerbo do movimento nostálgico. Paralelamente, os otimistas profetizam para os próximos anos a cura da aids, a descoberta da máquina do tempo, a criação da capa de invisibilidade e a chegada do homem a Marte.
A grande dúvida é com relação ao futuro da humanidade, todavia. Estaremos aqui ainda por muito tempo, planejando o futuro em análise do presente? As máquinas criadas pelo homem foram capazes de torná-lo o ser mais bem adaptado da Terra, dominando todos os continentes e explorando todos os recursos disponíveis, mas, ao invés de uma adaptação positiva, ao longo dos dois milênios que sucederam ao nascimento de Cristo, a humanidade tem se provado cada vez mais como um flagelo implacável. Será o homem capaz de estabelecer uma relação de cooperação com o espaço em que habita ou sua existência acarretará na destruição do planeta?


Pedro Henrique Santiago Lima
São João Nepomuceno, 14 de abril de 2009

sábado, 12 de setembro de 2009

Páginas Da Vida


Àquele que nesse instante me lê,
"Lucília Maria Furtado Leiva, advogada por vocação, dona de casa por profissão. 57 primaveras, 4 filhos e, no último mês, completou suas Bodas de Pérolas. Não fez balé quando menina, teve peste na adolescência e só aprendeu a gostar de desenhos animados depois dos 30, junto com seu filho mais novo, pois na casa de seus pais televisão era exclusividade dos adultos. Singular por Lucília, mas pluralizada por Maria, trazendo, no nome e na vida, o estigma da Virgem Abençoada".
Em poucos termos, relato o que daria para preencher toda uma biografia, em longuíssimos 7 volumes. Não que eu seja imediatista, mas em meu ramo de trabalho, a única coisa que me enoja é a fugacidade da vida humana. Observar as pessoas se prendem às mundanidades, num ato de hedonismo exacerbado, mesmo sabendo-se que logo estarão em outro plano, me preserva em sanidade. Todavia, quando uma jornada me surpreende ou um momento se mostra digno, vale a pena contá-los, para que esses sejam preservados na memória da posteridade. Em toda sua vida mediana e religiosa, o instante que verdadeiramente merece atenção e prolongada pausa para uma narrativa em detalhes, fora a data em que Lucília conheceu o pai de seus filhos e, tomando as rédeas de uma possível futura relação, fez sua primeira e única declaração de amor.
Tudo começou há 40 anos, quando Lucília e algumas amigas estavam num baile dançante. Todas solteiras, algumas feministas sem sutiã e, certamente, a maioria louca por conhecer seu príncipe encantado, o qual poderia entrar pela porta do salão a qualquer momento, vestindo capote de couro e óculos escuros. Em um grupo tão homogêneo, ela era apenas mais uma adolescente que não sabia nada sobre as travessuras do amor, pois vinha de uma família carola e de costumes tradicionais. Sua mãe não tratava sobre assuntos do coração e seu pai pensava que suas filhas só teriam contato amoroso com um homem depois do casamento. Grande engano... Suas irmãs mais velhas, quando interpeladas, corriam a fazer o sinal da cruz e se afastavam, indo denunciá-la tanto ao Pai quanto ao pai. Nesses instantes, se a punição divina não aparecia, as palmadas paternas eram certas, para regozijo das irmãs.
Apesar da vigilância acirrada, Lucília já havia faz tempo descoberto às ocultas o pouco que lhe fora necessário na hora de se aproximar do futuro marido. Quando alguns rapazes em grupo estacionaram suas lambretas e entraram no baile, todas emudeceram, sem exceções. Lucília, com seus olhos de lobo sobre um rebanho de cordeiros, observava-os, coração acelerado, boca salivante, pensamentos libidinosos. Dizer que foi amor à primeira vista talvez seja clichê, mas foi a realidade. Todas cochichavam nervosamente e ela apenas analisava em silêncio os garotos, corpo vibrando na batida da música. Mesmo sem as dicas maternas, Lucília sabia que o homem o qual ansiava ter a seu lado até o resto de seus dias estava entremeado naquele grupo tão distinto. E não se enganou! De toda a turma, não desejou o mais belo nem o que dançava melhor... Optou por aquele mais discreto, que se esquivava pelos cantos e fez seu coração bater mais forte.
De um lado do salão, as garotas murmuravam e apenas esperavam que os meninos viessem buscá-las para dançar. Do outro lado, os rapazes bebiam, cantavam, riam muito e falavam alto, transmitindo uma falsa impressão de espontaneidade, como se eles realmente dominassem a situação, mas no fundo não passavam de garotos inexperientes. Foi nesse momento que Lucília quebrou toda a sincronia da cena e, transgredindo as regras, atravessou o salão. Enquanto todas esperavam, ela agia, valendo-se da timidez das demais. Foi diretamente a seu alvo e, com os olhos fixos, chamou-o para dançar. Parecia ser confiante, mas na verdade tremia por dentro. Entraram na pista e, ao som do piano, dançaram. Conversaram sobre tudo e, ao mesmo tempo, sobre nada, pois Lucília simplesmente regurgitava as palavras, sem prestar muita atenção ao que dizia. Sua mente estava numa viagem acelerada, aproveitando a sensação de estar pela primeira vez nos braços de um homem. Até o momento em que ele cheirou seu pescoço e ela estremeceu. Seu perfume foi a peça-chave naquela noite e nas que prosseguiram. Dançaram por mais um tempo, mais casais começaram a entrar na pista e a festa continuou. Quando seus pés já não aguentavam o salto, foram se assentar em uma das mesas. Agora sim conversavam...
Para Lucília, o sorriso dele era incrível, seu cabelo tinha um brilho natural perfeito e o sotaque de mineiro originalmente romântico. Cada detalhe dele que percebia e sentia fazia seu coração palpitar. As horas corriam e os sinos tocaram na torre da igreja, indicando a chegada de um novo dia. Estava na hora de ir embora e ele a acompanhou até em casa, juntamente às irmãs. No portão, veio o primeiro beijo, imortalizando o momento. O gosto dos lábios se tocando e o cheiro que pairava no ar lhe voltavam à mente sempre que Lucília revivia a cena. Tal beijo lhe rendeu um mês inteiro de castigo, mas a relação já estava selada e o prazer valeu por todas as penas posteriores. Na semana seguinte, chega um cartão. Surpreendentemente, acobertada pelas irmãs, o casal se encontrou algumas outras vezes sem que os pais descobrissem. As correspondências secretas continuaram a bate na porta por um longo período. Ao final de todos os cartões, sempre a mesma frase.
"Sinto saudades do gosto de seu beijo e de seu perfume estonteante"...
Certo dia, depois de um longo romance às escondidas, Lucília percebeu estar grávida. O chão sumiu sob seus pés! A tentativa de esconder o bebê tornou-se frustrada em poucas semanas, logo quando o ventre começou a crescer. A verdade chega como um vendaval aos ouvidos do pai, o qual não havia planejado tal futuro. A menina que ele tencionava ser uma freira, tornar-se-ia emancipada, com uma criança de colo, maculando o sobrenome da família. Fora expulsa imediatamente de casa, mas o amor de seu futuro marido superou as expectativas. Ele, que tinha uma carreira brilhante pela frente na empresa do pai, largou o emprego para constituir sua nova família, com a esposa e a filha que chegaria. O destino de um, seria o destino de todos.
Inicialmente, os sogros, sempre ternos e prestativos, acolheram a nora e o bebê em sua própria casa, onde moravam com o filho. Após o parto, o casal oficializou a relação perante a Igreja e a família Furtado Leiva passou a encarar a sina de sua filha fora do convento com outros olhos. Aos poucos construíram sua própria casa, deixando o velho e acolhedor leito maternal. Mais alguns anos, o senhor Furtado completou sua jornada, durante uma indizível noite de bons sonhos. Eu particularmente também preferiria morrer assim, pleno e plácido, mas infelizmente meu ramo de trabalho me impede. A progenitora do casal cresceu, deu seus primeiros passos e recebeu novos irmãos. Mais uma família consolidada. Enquanto Lucília cuidava da casa e da filha, seu marido retomou o posto na empresa. Não tardou, suas irmãs também se casaram e os sobrinhos vieram aos montes. A felicidade parece finalmente ter batido em sua porta, mas para Lucília, o tempo não pára! Hoje tenho com ela um encontro sem convites prévios.


Aquela que nesse instante se despede, A Ceifadora.


Pedro Henrique Santiago Lima
Descoberto, 17 de maio de 2009

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Independência Ou Morte?!

“Sete de setembro de 1822. Às margens do riacho do Ipiranga, a caminho da cidade de São Paulo, o príncipe D. Pedro, descontente após receber uma carta de seu pai, D. João VI, rei de Portugal, relatando uma série de limitações políticas que seriam impostas no Brasil, saca a espada e brada perante toda a sua comitiva o famoso grito de “Independência ou Morte!”, declarando a emancipação brasileira de Portugal”.
Fora assim que, há muitos anos atrás, durante minha infância, tive meu primeiro contato com um dos episódios centrais da história de nosso país, assistindo às aulas da tia Carochinha lá na Escolinha da Cachorra Magra. Apesar de velada inocência, talvez esse seja o grande problema ao serem permitidas pessoas sem curso superior lecionando no ensino público primário do Brasil, pois, mesmo sem estar inteiramente errada, essa é a versão da história tradicionalmente passada de pai para filho, desde tempos remotos, muito simplificada e vaga à compreensão, privando-nos de detalhes tão importantes para o contexto da independência quanto o próprio suposto grito de revolta proferido por D. Pedro. Afinal de contas, por mais autoridade que possuísse, seria pretensão demasiada imaginar que um único indivíduo pudesse mudar tão intensamente uma sociedade.
Determinados aspectos dessa história são contestados há tempos por alguns historiadores de renome. Alguns acreditam que, ao invés de uma viagem a São Paulo, D. Pedro estaria retornando de Santos, após um encontro secreto com a mais famosa de suas amantes, Domitília de Castro e Canto Melo, coroada posteriormente pelo mesmo imperador como Marquesa de Santos, quando sua comitiva fora interrompida na estrada por emissários que traziam uma correspondência de seu pai, ordenando que regressasse imediatamente a Portugal, se submetendo à vontade do rei e da Corte Portuguesa, ansiosa por recobrar o monopólio colonial perdido durante a estadia de D. João VI no Brasil. Alguns instantes mais tarde, chegam ao futuro imperador uma mensagem de seu ministro José Bonifácio de Andrada e Silva, aconselhando-o a romper os laços com Portugal, e outra de sua fiel esposa, Maria Leopoldina de Áustria, apoiando a decisão do ministro. Impelido pelas circunstâncias, D. Pedro pronuncia, ao invés de bradar de forma retumbante, perante meia dúzia de cortesãos, a clássica frase "Independência ou Morte!", rompendo os laços de união política luso-brasileiras.
Apocrifias e adultérios à parte, poucos são os registros históricos que descrevem esse trecho da história nacional com precisão, uma vez que, obras de arte, como a famosa tela barroca de Pedro Américo, a qual supostamente retrata a cena do Grito do Ipiranga, não servem de embasamento a estudos históricos e políticos, pois enaltecem de forma exagerada a figura e o momento representado, transformando-os em símbolo de idolatria. Seja por temor de ser mal interpretado pelas classes populares e esquerdistas, caso agregasse à decisão paterna, sendo pego por uma revolução liberal, as quais se proliferavam pela Europa e levavam o crédito pela decapitação de boa parte dos monarcas absolutistas e ditadores europeus, ou seja por anseio em ver livre a pátria que tanto amava e lhe servira de abrigo após a fuga, lhe abastecendo ininterruptamente de mulheres e festejos, tudo do que ele mais desejava, a real versão dos fatos, sem seu brilho onírico, se torna quase relevante quando analisada e comparada com as consequências oriundas e as causas que a permitiram ocorrer. D. Pedro fora apenas o homem certo, no lugar certo, na hora certa, uma ferramenta nas mãos de quem buscava por liberdade, pois a Independência do Brasil caracteriza-se não como um ato somente, mas como um longo processo, iniciado com a chegada da família real portuguesa ao Brasil e culminando na belíssima manhã de 7 de setembro de 1822.
Após os acontecimentos às margens do rio Ipiranga, o país permaneceu sem ter sua emancipação reconhecida ainda por certo tempo. Em outubro de 1822, D. Pedro é aclamado imperador e, em dezembro, ocorre sua coroação. Todavia, para ser visto realmente como Estado, apenas em agosto de 1825, o Brasil paga uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas a Portugal. A negociação do empréstimo é feita com os bancos ingleses, dando início ao endividamento externo do país, deixado como herança à contemporaneidade. Apesar de ter alcançado politicamente sua independência, as mudanças ocorridas na sociedade, no sistema político e na economia da época foram ínfimas e deveras conservadoras.
À semelhança do processo de independência de outros países latino-americanos, a independência brasileira manteve o prestígio das elites agroexportadoras, em boa parte constituída por migrantes portugueses, ampliando os privilégios políticos, econômicos e sociais dessa aristocracia rural. Em contradição à ideologia iluminista, o modelo de governo monárquico e a escravidão foram mantidos, preservando-se também o sistema produtivo agrícola latifundiário, caracterizado por grandes e onerosas propriedades de terra, com o cultivo de gêneros primários voltado à exportação. A vida política era uma exclusividade dos grandes comerciantes e dos agricultores escravocratas. Apesar de ter alcançado o livre comércio, devido ao rompimento do Pacto Colonial com Portugal, o Brasil passa a depender financeiramente dos ingleses, após os empréstimos feitos, sofrendo pesada interferência inglesa nos diversos setores econômicos nacionais. Posteriormente à Inglaterra, o papel de Metrópole passa a ser realizado pelos EUA e, mais recentemente, o país encontra-se dependente dos grandes órgãos financeiros mundiais, como o BIRD e o FMI, revelando que, apesar de ter alcançado autonomia política, o Brasil nunca chegou à emancipação econômica.
O início do processo de Independência do Brasil tem sua origem mesclada com o desenrolar da Revolução Francesa quando, em 1806, após o anúncio do Bloqueio Continental napoleônico à Inglaterra, o governo de Portugal, fiel escudeiro britânico, encontrasse em difícil situação, pois, se atendesse às ordens de Bonaparte, correria o risco de ser bombardeado pela frota naval da Inglaterra e, até mesmo, perder algumas de suas colônias. Por outro lado, tomando o partido dos ingleses, sofreria as consequências de ver os franceses invadirem seu território. Num momento de desespero e astúcia, tendo o exército francês aos arredores de Lisboa, o então príncipe-regente, D. João VI, em 1807, recebe ajuda da frota naval britânica, a qual escolta a família real e toda a corte portuguesa em navios ao Brasil.
Pouco após sua chegada à América, D. João decreta o fim do monopólio comercial português com o Brasil, reduzindo as tarifas alfandegárias sobre produtos importados e anulando o alvará que proibia a instalação de manufaturas locais. Apesar da independência política se concretizar apenas em 1822, o primeiro passo fora dado já em 1808, com a quebra do Pacto Colonial mercantilista entre Brasil e Portugal. Ao favorecer os mercadores estrangeiros, principalmente os ingleses, D. João acaba por prejudicar a produção interna, que passa a competir com produtos importados, gerando um enorme descontentamento entre os colonos. Adotar os princípios do liberalismo econômico significaria corroer as bases sobre as quais se erguia o governo e manter intacto o sistema colonial era impossível visto as novas condições da Colônia. Perante um impasse, D. João vê-se sem atitude e os inúmeros conflitos regionais decorrentes no período tornam cada vez mais claras, perante os olhos dos brasileiros, as vantagens de ampliar a liberdade nacional.
As reformas urbanas promovidas pelo príncipe português no Rio de Janeiro, onde se instalou toda a corte lusitana, como a criação da Biblioteca Real, da Escola de Medicina, do Museu Nacional, do Banco do Brasil e da Imprensa Régia, alavancam o acesso de boa parcela da população ao conhecimento, à cultura europeia e às ideias liberais iluministas, as quais serviram de base à independência nacional e à formação do novo Estado. Em 1820, ocorre a Revolução Liberal do Porto, em Portugal, quando a burguesia lusitana que permanecera na Europa exige o retorno de D. João ao país. Deixando D. Pedro, seu carismático primogênito, em terras tropicais, o príncipe parte com a Corte de volta à Metrópole e, após sua chegada, se depara com uma monarquia parlamentarista instalada, conservadora e desejosa por recobrar o poder que possuía sobre o Brasil.
O ponto máximo desse processo de Independência decorre a partir desse momento, quando o parlamento português passa a cobrar altos impostos, decreta medidas rígidas e penalidades cada vez mais severas sobre os colonos, buscando tirar-lhes a autonomia. No entanto, as medidas tomadas não obtém sucesso, devido à negligência de D. Pedro, o qual passa a ignorar completamente as diretrizes recebidas de Portugal, maquinando a Independência do Brasil e permitindo aos portugueses o mérito de darem o primeiro passo rumo ao desfecho dessa longa história. Na manhã do dia 7 de setembro, enquanto excursionava pelo interior paulista, o futuro imperador recebe um ultimato do governo português, exigindo seu retorno imediato à Europa e, logo após, cartas de sua esposa e do ministro José Bonifácio, ambos preconizando ideias libertárias e nacionalistas. Se o começar fora confuso e o decorrer permanece obscuro, ao menos o fim dessa história todo mundo já conhece...

Pedro Henrique Santiago Lima
Descoberto, 07 de setembro de 2009

domingo, 6 de setembro de 2009

Menino Do Rio

Essa história que vou contar
É difícil de acreditar,
Mas se alguém de mim duvidar
Basta perguntar pelo Julião,
Lá nas terras de além-mar.

Julião era um menino franzino,
Vivia de cabeça baixa.
Tinha os olhos sempre lacrimejantes
E nunca dava um mero sorriso...
Sei que não tenho nada com isso,
Mas com Julião eu me preocupava,
Pois sempre que ele chorava
Um rio de suas lágrimas surgia.

A sorte de nosso povo
Era por ele ser bastante forte.
Não chorava por um puxão de orelha
Nem por um soco que levava.
O problema é que ele chorava
Quando via fome, miséria e poluição.
Quando via morte, doença e destruição.

Julião era um menino bondoso,
De coração solidário.
Só de ver alguma injustiça acontecer,
Abria a boca a berrar.
Longas cascatas desciam de seus olhos,
Varrendo toda a cidade
E, com ela, toda a maldade.

Um dia quando assistiu na televisão
A guerra que acontecia no Capão
Julião não se aguentou.
Vendo tanta morte,
Tanta perversidade,
Tanta injustiça!
Abriu a boca a chorar...

Suas lágrimas lavavam a terra,
Nutrindo plantas, alimentando regatos.
Seu choro de enxurrada
Levava tudo por onde passava.
Franzino menino,
Gigantescas ondas.
A água escorria à saraivada de seus olhos.
Seus berros criavam raios
E os soluços eram trovões.

Foram quarenta dias e quarenta noites de choro,
Quando Julião cessou seu pranto.
No instante em que abriu seus olhos
Nada viu, nada restara.
Somente ele,
Sentado numa estranha canoa,
Ao sabor da corrente que de seus olhos surgiu.
Pedro Henrique Santiago Lima
Descoberto, 21 de agosto de 2006